A crise hídrica e ambiental, que se dá de maneira quantitativa e qualitativa no Brasil, tem afetado as diretrizes das políticas públicas, fazendo aquecer mercados privados que, tradicionalmente, são ocupados pelas empresas estatais e por serviços públicos municipais.

Grandes polêmicas, portanto, já estão armadas para os próximos dias, como o “dia nacional contra a sede e tarifas altas”, que será dia 31 de julho de 2018, de autoria da ABES (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária); ABAR (Associação Brasileira de Agências Reguladoras), AESBE (Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento) e ASSEMAR (Associação Nacional dos Serviços Municipais e Saneamento).

O que se sustenta, por aqueles que defendem a MP 844/2018, é que os aportes de investimentos do setor privado propiciarão que o sistema seja instituído com maior eficiência, trazendo ao setor a livre concorrência, garantido, também, menor valor e melhor qualidade dos serviços, sejam estes prestados por empresas públicas ou privadas.

Em outro sentido, há tentativas de ocultar, o máximo possível, o Decreto 9.177/2017, na esperança de tornar-se “a lei que não pegou”, por empresas que não querem gastar com a coleta e tratamento dos resíduos que geram. Este decreto trata da obrigação das empresas quanto à logística reversa, a qual aborda o retorno do resíduo criado por estas para a cadeia produtiva, dando a devida destinação final ao produto. A nova fonte de investimento no mercado de coleta, triagem, reciclagem, reaproveitamento, reutilização e correta destinação final do produto não é vista como oportunidade, mas sim como “ônus” para o empresariado, pois não se visualiza o barateamento do insumo, decorrente da popularização da sistemática de recirculação dos resíduos.

Outra questão suscitada pelas entidades ligadas aos interesses da manutenção do status quo é que seria inconstitucional a MP 844/2018, uma vez que confere à ANA (Agência Nacional de Águas) o controle das normas gerais sobre o saneamento básico, resíduos sólidos, dentre outros serviços interligados, que alteram a qualidade e quantidade de água nos corpos hídricos. Argumenta-se ser um assunto de interesse local, não podendo a União, por meio da ANA, regulamentar o assunto, mesmo sendo tais normas gerais não obrigatórias, vez que há uma condição quanto ao seu cumprimento, para que se tenha acesso ao financiamento subsidiado da União. É preciso lembrar que a Constituição Federal institui como competência privativa da União a legislação sobre águas (independente, inclusive, de ser de domínio do Estado ou da União), visto que as sub-bacias hidrográficas, que são estaduais, são, em seu conjunto, interdependentes, formando um só corpo hidrográfico nas bacias federais. Assim, o sucesso global depende, necessariamente, de uma harmonia regional.

Essas e outras polêmicas devem ser dirimidas à luz de uma interpretação constitucional, legal e técnica (prática) da gestão hídrica. Se o saneamento básico e os resíduos sólidos possuem influência direta na gestão hídrica, se a livre concorrência auxiliará na efetiva implementação dos princípios, como o da universalidade, há que se reconhecer a privatização de tais serviços como um ganho para toda a nação, desde que as empresas públicas se mantenham, a fim de desempenhar, exatamente, o papel que outras instituições dessa natureza exercem no mercado, sempre buscando impedir que a privatização pratique uma inflação que inviabiliza o acesso ao serviço público, que, em sua análise geral, acaba sendo um meio de execução dos direitos fundamentais.

Neste momento, resta defender os interesses privados, para ganho de mercado, assegurando interesses legítimos públicos, e esperar a criação e ampliação de um setor econômico promissor.